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"VIEMOS PARA FICAR"
Mario Marques e Ricardo Schott
Emo + anos 80, direto sem escalas? Nada disso. A parceria entre o Biquini Cavadão e Lucas Silveira, vocalista da banda Fresno, Acordar pra sempre com você, lançada em clipe no YouTube (mais de 20 mil acessos em menos de um mês) não conseguiu ficar com a cara da nova geração do rock nem mesmo com a gentil participação do cantor do grupo gaúcho. No máximo soa como uma boa renovação do som do próprio BC. Sinal de que a sonoridade oitentista, passados quase 30 anos dos primeiros hits da década, continua forte e permanece sendo a grande referência para novos artistas, que sonham em escrever letras, fazer boas canções e manter carreiras duradouras e empreendedoras como as das bandas da época. E como a do Biquini Cavadão, cujo vocalista, Bruno Gouveia, conversa com o LABORATÓRIO POP sobre a eternização do som oitentista.
O Biquini gravou com Claudia Leite e há uma parceria da banda com integrantes do Fresno, uma banda emo. Afinal, o rock continua errando? “Muito pelo contrário”, contesta Gouveia. “Chamamos a Claudinha para mostrar como uma das maiores cantoras de música baiana ama o rock brasileiro. Ela cresceu ouvindo rock, já cantou Led Zeppelin nos shows, fez dupla com o CPM 22 e cantou com o Biquini num dueto que me emocionou muito. Já a gravação com o Lucas surgiu da ideia de que podemos criar novas sonoridades que não sejam nem o som deles nem o nosso. Faz parte do Biquini arriscar, dar a cara a tapa. E em ambos os casos, para mim, acertamos. infelizmente este policiamento comprova que ainda estamos muito atrasados em relação a esse tipo de mistura, pois nos EUA posso, entre tantos exemplos, citar dois encontros que todo o mundo acharia impossível de acontecer e que viraram um mega hit, como o caso do Eddie Van Halen solando em um disco do Michael Jackson - e ter Beat it como um dos maiores sucessos da carreira do Michael - ou ainda o Run DMC com o Aerosmith em Walk this way".
Estamos em mais uma década e os anos 80 continuam sendo A referência. As festas dedicadas à década continuam, as músicas pernanecem tocando no rádio etc. O que você crê que leve à permanência da música desse período no imaginário das pessoas?
São várias coisas. Os anos 80 não se definiram só musicalmente. O jeito de se vestir, a forma de se dançar, tudo isto foi característico de uma geração. Foi a década que viu o despertar do computador pessoal, do CD, a explosão do videocassete. No Brasil, os 80 serviram como palco de uma grande mudança política e social. O rock entrou nessa como a melhor linguagem para quem esteve 20 anos calado. Já não era mais preciso escrever ideias nas entrelinhas. O discurso era franco, direto, ainda que tivesse que passar pela censura - mas passava. Existe também o fato de termos tido uma safra de compositores de primeira linha. Desde a década de 60 que não tínhamos uma corrente musical com tantos talentos. Finalmente, o rock foi música para as massas: do mais humilde ao mais abastado, todos ouviam as novas bandas. Rock tocava em AM! E as bandas se apresentavam por todo país, e não apenas nas capitais. Veio da década de 90, a década dos nichos, do individualismo, não havia um elo entre o pop do Skank e o som do Planet Hemp. O rock deixou de ser a boa da vez e os sertanejos assumiram junto com Collor. As gerações do rock continuaram a compor bem, mas amargaram alguns fracassos. A nova geração foi cobrada tal como Rubinho foi quando morreu Senna. Queriam um novo Cazuza, um novo Renato Russo e as bandas que vieram, se tiveram a vantagem de ter vendido milhões, graças ao Plano Real, agora dividiam este mérito com grupos de pagode, axé e duplas caipiras. Acho que quem viveu esta geração de 80, sem ter para onde ir, preferiu ouvir seus discos em casa. E, consequentemente, seus filhos cresceram ao som dessa música.
O rock nacional dos anos 90 enfraqueceu. Só Los Hermanos atraíram legiões de pessoas aos shows. O rock brasileiro nunca mais vai se renovar?
Discordo quando ao enfraquecimento dos 90. Tivemos Skank, Charlie Brown Jr., Rappa, gente talentosa! De fato, não foi como na nossa geração, mas em função de o foco ter mudado e uma renovação de público. Los Hermanos para mim já são do fim dos 90, quase século 21, que foi realmente quando eles estouraram e se tornaram um fenômeno. Quando ao futuro, o rock brasileiro irá se renovar quando as rádios pops do Brasil deixarem de só tocar black music, o que não acontece no resto do mundo inteiro. Aqui no Brasil, os diretores de rádio são DJs, e tocam nas rádios o que eles geralmente tocam nas pistas. Tem muita gente boa fazendo ótimos trabalhos nesta década. Verdadeiras agulhas de ouro naquele enorme palheiro chamado MySpace. Espero que eles apareçam.
Quando você começou, nos anos 80, sentia preconceito por parte de alguma banda da época? Como você via o Biquini num cenário dominado por bandas como Paralamas do Sucesso (com a qual se relacionavam) e Titãs? Era duro se sobressair naquele meio cheio de peixes grandes?
Quando começamos éramos novos, tínhamos 18 anos. Ao nosso lado, gente que já tinha ralado muito, ganhado experiência, cancha de palco, tudo aquilo que do dia para noite precisamos aprender. Éramos os caçulas, mas com o tempo conseguimos reverter isto. Mesmo assim, nossas músicas estavam sempre entre as mais pedidas das rádios. Viemos para ficar.
Tem alguma banda ou artista dos anos 80 que você fique especialmente feliz em ver as pessoas ouvindo ainda hoje? O que você crê que seja totalmente justo que tenha perdurado, em especial?
Acho que quem está aí sobreviveu ao darwinismo do music business. Não vejo alguém que "já deveria ter se aposentado" e fico feliz não pela existência até hoje de nenhuma banda especial , mas pelo que ainda são capazes de fazer.
O que mais você sente falta daqueles tempos dos anos 80?
Sinto falta de mais programas musicas na TV, que existiam pelo menos uns dois por canal, e também não vejo interesse por novidades como as pessoas tinham naquela época.
Qual a pior banda brasileira que você já ouviu na vida?
Não tenho uma pior banda, pois mesmo a mais fraca que talvez eu ache em algum momento, no dia seguinte pode estar bem melhor e depois estar pior e com isso dirijo meu caminho de uma maneira contrária, para que isso não aconteça com o Biquini.
Comparando com a música que vocês faziam nos anos 80, o que você acha que falta no rock e no pop nacionais feito hoje em dia?
Letras que sejam mais atemporais. Uma letra como Tédio ou Timidez ainda é cantada hoje sem nenhum cheiro de naftalina. As letras às vezes ficam presas a uma estética, gírias, expressões de uma década. Se eu ouvir "que broto legal, garota fenomenal, eu logo que entrei, um broto focalizei" (Broto legal, hit do "rei do rock" dos anos 50, Sérgio Murilo, conhecido de quem ouviu a trilha da novela Estúpido Cupido, de 1977) vou achar datado, certo? O mesmo ocorre com letras que usam palavras como "sinistro" "irado", "bisonho" "já era". Podem fazer sucesso agora, mas será que aguentam duas décadas? As nossas estão até hoje na boca da galera. Também sinto falta de poesia. Aliás, é difícil encontrar uma música que consiga unir letra, atitude e melodia. Muitas bandas tentam criar letras inspiradas em Marcelo Camelo, mas acabam se tornando caricatas. O maior letrista desta década que termina, quem diria, é dos 80: Nando Reis!
O que você mudaria da discografia do Biquíni? Quais os discos da banda que representam o pior momento e o melhor momento da carreira?
Olha, sinceramente não vejo um pior momento. Acho que como sempre, as fases em alta ou em baixa são um aprendizado para a gente. Tivemos um momento de baixa, quando lançamos o Agora (1995), pois acabávamos de vir de grandes hits como Vento ventania e Chove chuva. Mas isso serviu para saber quais são os caminhos que não devemos trilhar, e obviamente, isso trouxe mais o amadurecimento que talvez tenha nos faltado um pouco no início da carreira. Com esse aprendizado preparamos um grande show e fizemos um DVD ao vivo que é a prova disso a nossa vendagem - passamos de 100 mil DVDs e 75 mil CDs vendidos do Ao Vivo - Fortaleza, coisa que para o momento de hoje, nessa década, praticamente nenhum grupo de rock conseguiu esse feito.
Vocês hoje são banda de sucesso em regiões como o Nordeste, mas ninguém fica sabendo disso. Não era para ser diferente, com essa ferramentada toda da internet?
Existe uma ferramenta mais antiga e que ainda é fator de união deste país: a televisão. E o poder de fazer alguém aparecer num programa ainda está nas mãos de poucos. A internet no Brasil em geral trabalha comentando aquilo que vê, especialmente na televisão, e expande estes assuntos para notícias que voltam à TV num moto contínuo. Com certeza a ficha, para muita gente no Sul e Sudeste, ainda não caiu. Mas só assistindo a um show nosso para entender.
Por que o Biquini não pega no Rio, sua cidade de origem?
Discordo. O Biquini só no ano passado fez 14 shows no Grande Rio, incluindo lonas culturais, Canecão, Circo Voador, etc. Se "pegar" é tocar em barzinho da Zona Sul, não é essa a nossa praia. Só nessa turnê tocamos em 22 estados e com isso, tocamos no Rio, São Paulo e outras capitais do Sul do país, sempre com ótimos resultados. Claro que não somos uma banda "emo" da vez e não temos as 50 mil menininhas de 12 e 13 anos de idade ligando o dia inteiro para as rádios. Mas quem vai aos nossos shows sabe que o Biquini vai bem, obrigado.
Vocês foram acusados de plágio por Alvaro Pereira Jr, que defendeu a tese baseado numa levada e não no conjunto de compassos. Por que não o processou?
Ele morava em São Francisco, EUA, na época. Ia sair caro, demorado, e, se ganhasse, serviria pra quê? Pelo que me consta o Alvaro Pereira não sabe tocar nenhum instrumento e não é também um produtor musical. É apenas um jornalista que fala do que não conhece. O direito de resposta que conseguimos na Folha de S. Paulo serviu para ele entender com quem estava falando. Aliás, nunca mais mencionou nosso nome, o que agradeço.
E como rebate as críticas dos repórteres indies que hoje dominam o Brasil?
Não leio. E, quando acontece de esbarrar num artigo, desisto no primeiro "naum" que aparece. Acho interessante que a revolução digital num primeiro estágio banaliza profissões. Foi assim na década de 90 com o desenho industrial. Qualquer um que tivesse Corel em casa se achava "o" criador de logotipos! Os blogs transformaram qualquer idiota em jornalista, qualquer caolho com uma câmera de 3 megapixels se achava o J.R. Duran. E o que dizer então de quem tem um estudiozinho de gravação de áudio ou mesmo uma mini-ilha de edição de vídeo? Ainda vamos partir para o segundo estágio, quando veremos que toda modernidade esbarra em uma capacitação profissional. Não que não existam bons caras autodidatas, mas eles são exceção à regra. A Internet pode funcionar bem como celeiro de talentos.